sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Da teoria à prática



Mas, o dever impõe-se, a ida a Serpa tem um objectivo: conversar com Luís Afonso, o geógrafo, o cartoonista, o homem do teletrabalho, o alentejano. O encontro está marcado para a livraria “Penso Ouvimos e Lemos”. Um grupo de alentejanos está sentado no jardim “por favor sabe onde é a livraria? ” é mesmo à sua frente, respondem, sorrindo.
Não é preciso ouvir o sotaque, nem ver o olhar que tudo alcança, para perceber que Luís Afonso é alentejano. Não um alentejano do passado, das fotos ou dos desenhos, um alentejano de ontem, de hoje e, principalmente, do futuro.
Adiantando-me já à conclusão da conversa que mantivemos com o Luís Afonso, posso dizer que ele é o seu próprio cartoon. Usa o silencio, a simplicidade, os desenhos e o humor para fazer uma reflexão crítica sobre o mundo que o rodeia.


À questão “porquê optar por ficar no Alentejo?”, Luís Afonso coça a barba, sorri e atira “ Costumo dizer: há várias razões para ficar no Alentejo, não vejo nenhuma para sair”. Confesso que pensei em parar a entrevista aqui, aquela resposta dizia tudo, ou melhor, tudo o resto seria apenas para compor o ramalhete e partir para um outro tipo de conversa, quem sabe a outra hora e com outros acompanhamentos que não fosse o café da manhã.
“Dei aulas durante dois anos, depois fui trabalhar para a Câmara de Serpa como Geógrafo e comecei a colaborar na Associação Terras Dentro, dava apoio, como geógrafo, a várias câmaras da margem esquerda”.
Vi nele um certo orgulho quando referiu que tinha feito a caracterização geográfica da zona de intervenção da Associação, que ganhou a gestão do Leader 1 nesta zona.
Um dia voltou ao ensino, era preciso um professor de Geografia para dar o 12º ano, caso contrário, os jovens de Serpa teriam de ir para Beja, juntando isto a questões familiares, mais um filho vinha aí, Luis Afonso aceita ir dar umas aulas.
Mas, não era o professor de geografia que me tinha levado a Serpa, Luís Afonso era o cartoonista que nos faz sorrir com as muitas demasiadas noticias más que enchem as páginas dos jornais, depois lá vem o Luis Afonso desmontar as tragédias e dar um sentido à vida...digo eu.
“Pois nessa altura, quando vim dar aulas, o trabalho nos jornais apertou um pouco”.
“Ah...e quando é que isso começou?” Indaguei.
“O trabalho nos jornais surge ainda quando eu estava em Lisboa, aliás foi logo no primeiro ano, eu publiquei uma banda desenhada e nessa altura perguntaram-me se eu não queria fazer cartoons numa publicação semanal.”
E os cartoons entraram na vida deste alentejanos e desde então “não houve semana em que eu não fizesse cartoons, em 1990 fui para “A Bola”, em 91 para a “Grande Reportagem” e em 93 apareceu o “Público”, e é nessa altura, com o aumento do trabalho como cartoonista, que começo a ter dificuldades em conciliar as minhas três vidas, a de professor, a familiar e a de cartoonista, alguma tinha de ficar para trás, e foi o professor que se perdeu”.
Fazer cartoons para publicações nacionais e viver fora dos grandes centros não era, na altura “normal”.No princípio disse Luis Afonso “Era difícil, a tentação de sair daqui para fazer o meu trabalho era muito forte. Porque os meios técnicos não eram os que são hoje, não havia internet, eu mandava os trabalhos por fax e o fax já era uma grande coisa. Tive de comprar um fax, porque à hora em que por vezes tinha de mandar os trabalhos não havia fax em lado nenhum. Lembro-me que foi uma das coisas mais caras que comprei, um fax”.
“ Não era fácil trabalhar, para onde quer que ia levava o fax, era para fins de semana para férias, enfim... e depois tinha de ir à linha de telefone desmontar e ligar o fax e por vezes as pessoas entravam em pânico, mas lá ia trabalhando, lá ia de fax às costas e com a mala de ferramentas”
As novas tecnologia ao serviço do homem são boas, disse eu a Luís Afonso “Hoje é uma felicidade, posso estar no meio do campo e mandar os cartoons, hoje é muito fácil”.
Nesta altura lanço a pergunta “trabalhar no Alentejo com a beleza a tranquilidade é inspirador?”
“Isso de estar no campo e ser inspirador é um mito e no meu caso particular não inspira coisa nenhuma, porque a minha inspiração vem de haver ou não haver noticias”.
infra-estruturas físicas e para as pessoas que poderiam gerir melhor o seu tempo e evitariam a, por vezes, erosão das relações humanas”.
É portanto apologista do teletrabalho?
“É engraçado... De vez em quando, se se fala em teletrabalho, vêem ter comigo. Eu faço teletrabalho há vinte anos! Gosto de gerir a minha vida, o meu tempo e o meu dinheiro, não sou nada liberal em termos laborais, as pessoas devem ter o mínimo de segurança no emprego, ainda que eu não a tenha, eu sou um tipo que vive há 20 anos de recibos verdes e não há que dramatizar”

“A qualidade de vida, o tempo que o Alentejo pode dar às pessoas já cá está, o que é fundamental saber, é o que essas pessoas poderão vir a dar ao Alentejo. Se as pessoas que vierem para o Alentejo não se acomodarem, se souberam aproveitar o tempo que poupam nas deslocações nas grandes cidades e se o aplicarem aos outros e à região então todos ficam a ganhar. As pessoas aqui podem aproveitar o tempo para pensar em novos projectos, em novas ideias, que tornem ainda mais viável a vida nesta região, aumentando a sua alegria e a oferta do Alentejo”
O tempo não parava e da meia hora ou uma hora prometida já lá iam duas e ainda havia tanta coisa para falar.
O que recusas ser no Alentejo?
“Um figurante para turista ver e fotografar, eu quero um Alentejo com condições de vida e que haja mudanças. Temos de compatibilizar a tradição e a componente moderna temos aqui espaço para a memória e para a inovação, e a mudança vai ser feita pelas pessoas que aqui estiverem, por isso, quanto mais pessoas vieram para o Alentejo mais massa critica haverá mais ideias mais opiniões diversificadas existirão e por isso a mudança positiva é inevitável.”

Acabei de me cruzar com esta entrevista...
 
O que daqui retenho é a ultima frase: (...) Alentejo sem complexos, que tem muito para dar, mas que também está ávido de receber.
 
É que em teoria é muito bonito e tal, qualidade de vida e tal...mas precisamos tanto, tanto de receber...que só quem cá vive o entende realmente!Porque não temos acesso fácil a coisas banais, coisas comuns...e por vezes torna-se difícil entender o porquê de estamos completamente esquecidos...

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